A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho se reflete também no sistema previdenciário. Elas ainda se aposentam mais por idade do que por tempo de contribuição, e são maioria nas faixas salariais mais baixas, tanto nos valores dos benefícios já recebidos quanto nas quantias pagas por aquelas que ainda trabalham e contribuem para o INSS. Os dados são do último Anuário Estatístico da Previdência Social, do governo federal.
De acordo com o levantamento, em 2017, foram concedidas cerca de 174 mil aposentadorias por idade no valor de um salário mínimo para mulheres, enquanto, para homens, foram liberados cerca de 88 mil benefícios nesse valor. Nas faixas salariais mais altas da aposentadoria por tempo de contribuição, a situação se inverte: 53 mil homens passaram a ter um benefício entre 3 e 4 salários mínimos (de R$ 2.994 a R$ 3.992), enquanto apenas 19 mil mulheres se enquadraram nessa faixa.
— A maioria das mulheres se aposenta por idade porque não consegue um histórico de contribuições mais longo. Elas entram e saem do mercado. Hoje, para se aposentar por idade, a mulher precisa ter, no mínimo, 60 anos, mas a idade média com que elas dão entrada nesse benefício é de 63,4 anos, porque demoram a conseguir os 15 anos. Aumentar esse tempo para 20 anos, como está na proposta da reforma da Previdência, vai prejudicar ainda mais essas mulheres.
Apesar disso, Ana Amélia acredita que a tendência é de que a diferença entre sexos diminua.
— Para as mulheres mais jovens, a diferença salarial é menor, o que é um efeito das mudanças. Elas já entram no mercado de trabalho com escolaridade mais elevada, inclusive mais alta do que a dos homens. É um outro contexto social.
Aumento do tempo de contribuição vai penalizar mais as mulheres pobres e mães
Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), reforça que atingir o tempo mínimo de contribuição é um desafio maior para as mulheres. Segundo ela, a dificuldade se dá, principalmente, para as gerações mais antigas ou as classes sociais mais baixas:
— Para a mulher conseguir 20 anos de contribuição é um parto, 30 mais ainda. Muitas vezes, o marido não a deixa trabalhar. Isso ainda é uma realidade. Além disso, muitas ficam um tempo fora do mercado para cuidar dos filhos e deixam de recolher ao INSS.
Para Ana Amélia Camarano, essa realidade contribui para a desigualdade, uma vez que as aposentadorias por idade, normalmente, geram um pagamento menor do que as por tempo de contribuição.
Igualdade de requisitos para se aposentar ainda é distante da realidade, dizem especialistas
A equipe econômica do governo também chegou a cogitar igualar a idade mínima em 65 anos, no caso da aposentadoria por tempo de contribuição (diferente da aposentadoria por idade, citada acima), mas a proposta final foi apresentada com 62 para mulheres e 65 para os homens. Hoje, não há essa exigência de idade para esse benefício pago pelo INSS. Apenas é é preciso comprovar 30 anos de recolhimento ao INSS(mulher) e 35 anos (homem).
Adriane Bramante acredita que a igualdade deve ser almejada. No entanto, essa ainda não é a realidade:
— Em um país que tem um número de feminicídios como o nosso, não dá para falar em igualdade. Não adianta querer igualar as condições de aposentadoria nesse momento, se não somos iguais. A mulher com 60 anos hoje cuida da casa, dos netos, dos pais.
Ana Amélia Camarano concorda:
— A mudança deve ser gradativa. O maior problema não é a jornada doméstica, é o cuidado com os filhos, em que a mulher é mais penalizada.
Confira as perguntas enviadas à Dona Socorro sobre reforma da Previdência
Sou militar da reserva, e minha mulher é professora federal e municipal, com dois salários. Como ficaria a minha situação e a dela, em caso de morte. Somos dependentes um do outro. Temos um filho de 22 anos.
Ruy Cesar Santos, militar da reserva
A reforma proposta pelo governo restringe o acúmulo de benefícios, mas mantém o direito de médicos e professores receberem dois ou mais salários. No caso citado, caso o marido morra, sua mulher continuará recebendo os dois salários de professora, mas ganhará apenas 60% da pensão, já que é a única dependente, pois o filho perde o direito ao benefício aos 21 anos. No caso de ela morrer, o marido escolherá o benefício de maior valor: seu salário ou uma das pensões para receber integralmente. E terá direito a apenas 60% dos outros dois pagamentos.
Minha mulher tem 60 anos de idade, e 24 anos e 11 meses de contribuição para o INSS. Ela já poderia se aposentar?
José Osorio da Silva, corretor
Atualmente, para se aposentar por idade, a mulher deve ter 60 anos e, no mínimo, 15 anos de contribuição. Portanto, no caso citado, a segurada já pode se aposentar por idade, mas não terá direito a todo o valor da média das contribuições, pois incidirá no cálculo o fator previdenciário. Para conseguir se aposentar ganhando o máximo possível, ela deve completar 86 pontos (soma da idade com tempo de contribuição). Como ela já tem quase 85 (60 mais 25), é melhor esperar até o ano que vem, quando terá completado os 87 pontos. Essa será a exigência, se a reforma já tiver sido aprovada.
Contribuo para o INSS há 32 anos. Tenho 52 de idade. Quanto tempo falta para eu me aposentar?
Silvio Cardoso, metalúrgico
Atualmente, o tempo mínimo de contribuição exigido para os homens é de 35 anos, sem idade mínima, mas com incidência do fator previdenciário. Para se aposentar sem o fator, é preciso completar 96 pontos. No caso citado, o segurado tem hoje 84 pontos (32 de contribuição mais 52 da idade). A cada ano, são acrescentados dois pontos, de modo que ele atingiria os 96 pontos em 2025. Porém, a proposta da reforma da Previdência aumenta um ponto a cada ano, até chegar a 105. Dessa forma, esse trabalhador poderia se aposentar apenas em 2030, quando terá 106 pontos e 63 anos de idade.
Tenho 55 anos de idade e 35 de contribuição. Qual a melhor forma de me aposentar?
José Roberto da Silva, auxiliar administrativo
Hoje, o tempo mínimo de contribuição é de 35 anos, que o trabalhador já comprova. Por isso, já pode se aposentar. Atualmente, não há idade mínima para pedir o benefício, mas sobre o cálculo da renda vai incidir o fator previdenciário. Para se aposentar com 100% do valor, o homem precisa atingir 96 pontos hoje, que são a soma da idade com o tempo de contribuição. Como no caso citado o segurado tem 90 pontos, teria então que trabalhar por mais três anos pelas regras atuais. Mas a proposta do governo é aumentar a soma exigida em um ponto a cada ano, até chegar a 105, de modo que esse trabalhador só atingiria o limite necessário em 2025, quando teria 102 pontos.
Quando a Nova Previdência entrar em vigor, se eu estiver desempregada, ao voltar a trabalhar estarei sujeita às regras de transição ou serei considerada uma novata no sistema?
Cristina Freitas, 43 anos
Quem já começou a contribuir para a Previdência Social continua fazendo parte do sistema, mesmo que deixe de recolher por algum tempo. Dessa forma, estará sujeito às regras de transição tanto quanto o trabalhador que contribuiu de forma ininterrupta. O que pode acontecer, caso a pessoa que está desempregada fique por muito tempo fora do mercado, é não conseguir atingir o tempo mínimo de contribuição exigido, apesar de já ter a idade mínima, por exemplo. Por isso, o ideal é continuar contribuindo facultativamente.
Fonte: Extra