Na segunda-feira (10) a reportagem do RJ2 mostrou as dificuldades de pessoas que “não existem” aos olhos da lei. A falta de acesso a documentos básicos como certidão de nascimento, carteira de vacinação e de identidade, ou cadastro de pessoa física (CPF), “empurra” parte da população para a condição de indigente.
Maria Eduarda, de oito anos, não tem nenhum papel que comprove a existência formal dela, nenhum documento. A vida da criança, que não tem nenhum registro, é um tormento para a mãe, Gleice Cristina, que tem medo até de que a menina se machuque se correr na rua.
“A gente fica só pela misericórdia, né ? A gente não sabe… Eu evito muito dela ficar correndo pra se machucar, porque se ela cair no hospital vai ser, vai haver um problema contra mim e contra ela porque não vão querer atender a minha filha”, explicou a mãe.
Gleice conta que Maria Eduarda não poderia ser atendida numa unidade de saúde porque, no hospital, geralmente se pede documento ou a carteira de vacina, e ambos documentos a criança não tem.
A mãe diz, ainda, que tentou de tudo para conseguir o registro da menina. Para ela, é “horrível” viver essa agonia de saber que a filha é “desconhecida”, que aos oito anos não existe para o mundo. Sem qualquer documento, Maria Eduarda não pode nem ser matriculada numa escola. A angústia da mãe também é vivida pela menina, que vê o irmão ir ao colégio, e ela não.
“Eu vejo meu irmão indo pra escola e peço minha mãe pra ir e isso tudo me dá uma agonia, dá vontade de chorar porque eu vejo o meu irmão indo pra escola, aí dá vontade de ir também…”, disse a criança.
O sonho da menina é crescer e ser enfermeira da Marinha do Brasil. Por enquanto, o objetivo está distante. Já com oito anos, ela não sabe ler e nem escrever.
Outra criança, Jean, de 11 anos, também não foi à escola até hoje.
“Sim, já fiz onze anos e queria estar na escola estudando, né ? Aprendendo mais coisas… Eu já sei ler porque minha mãe ensina, eu já sei umas coisas, mas eu queria estar na ecola pra aprender mais”, lamenta o menino.
A tia dele, a cabeleireira Roselânia Alves, confirma que o garoto nunca estudou na vida e não tem certidão de nascimento.
“A gente vai nas escolas pra ver se consegue vaga pra ele, só que tem que ter a certidão. Sem a certidão, a gente não consegue nada”, explica Roselânia.
O menino se preocupa com o futuro. Mesmo aos 11 anos, sabe que crescer sem estudar significa que pode não conseguir um emprego.
Em mais um caso drástico, Dona Vilma, que não tem certidão de nascimento, carteira de identidade ou CPF, não consegue uma matrícula no Sistema Único de Saúde para fazer o tratamento de hemodiálise .
Há três anos, ela vive num hospital e poderia estar se tratando em outra clínica, ou mesmo vivendo em casa. Mas Vilma não pode deixar a unidade de saúde porque não tem documentos.
“A gente tá há muitos e muitos anos correndo atrás pra registar minha mãe, pra registrar o meu irmão, e a gente não consegue”, disse Sônia Mara, filha de Dona Vilma.
“Isso é um direito de todo cidadão, ela precisa do documento dela, ele precisa do documento dele. Por que essa demora toda? A gente tá desde 2013, já estamos em 2018, já vai pra 2019 e nada acontece”, reclama a filha.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que a falta de documentos não é fator impeditivo para a criança ir à escola. A pasta comunicou que os responsáveis devem procurar os conselhos tutelares, os juizados de menores ou órgãos de assistência social para regularizar a situação.
Além disso, a secretaria garantiu que é possível frequentar as aulas normalmente até que a documentação seja feita. Já a Secretaria Estadual de Saúde falou que segue as normas federais que regulam o SUS, e que presta assistência à Dona Vilma, enquanto aguarda o registro civil dela.
Fonte: G1